À espera de licença, Marina da Beira-Mar não tem data para início das obras
Esperado pela população há mais de dez anos, o Parque Urbano e Marina da Beira-Mar Norte, em Florianópolis, continua sem data definida para o início das obras. Com o recente indeferimento do pedido do MPF (Ministério Público Federal) para revisar o licenciamento ambiental, o empreendimento superou a maior parte dos questionamentos legais, mas ainda há entraves e não há previsão para que os trabalhos sejam iniciados.
Com um investimento de R$ 193 milhões e uma área total de 440 mil m², incluindo ambientes terrestres e aquáticos, a estrutura vai combinar uma marina com vagas para 500 embarcações (470 privadas e 30 públicas) com um parque urbano público, mantido pela concessionária, com áreas de lazer e contemplação, quadra esportiva, pista de skate e um centro comercial focado em bares e restaurantes. Será preciso dragar 267 mil metros cúbicos para criar o estacionamento de embarcações.
De acordo com Fernando Bombardelli, gerente de Licenciamento de Infraestrutura no IMA/SC (Instituto do Meio Ambiente), um empreendimento desse porte pode gerar inúmeros impactos ambientais, desde o incômodo da população local à mortalidade de espécies marinhas. Por isso, a lei determina que pelo menos três licenças ambientais sejam concedidas antes que a marina possa operar.
A primeira autorização é a licença prévia, em que é detalhado o panorama da obra para testar sua viabilidade ambiental e impacto em áreas de preservação e na flora e fauna da região. Essa licença foi solicitada em 2022 pela concessionária, após o projeto ser aprovado em audiência pública realizada pela Prefeitura de Florianópolis, e concedida em 2024 pelo IMA.
Agora, o negócio aguarda a segunda liberação, a licença de instalação, que permite o início das obras. Ela exige uma série de programas para controle dos impactos ambientais durante a construção, que é a fase com maior impacto ao meio ambiente, com questões como altos ruídos, riscos para a fauna e poluição causada pela construção civil.
Segundo João Luís Félix, dono da Construtora JL, concessionária do projeto, a empresa deve enviar os últimos documentos solicitados pelo IMA até o fim deste mês. A partir daí, o empresário estima que demore cerca de 30 a 60 dias para que a licença seja aprovada.
Já para Fernando Bombardelli, não é possível ter certeza da data. “Eles enviam os documentos, nós analisamos e, caso precisemos de mais detalhes, pedimos que eles nos enviem informações adicionais. Não tem um prazo determinado”, explica. Após a licença de instalação, João Luís acredita que a obra durará “entre dois e três anos.”
Competência de fiscalização foi alvo de ação na Justiça
Em maio deste ano, o MPF entrou com uma ação para suspender o licenciamento ambiental e passar essa atribuição para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão federal. A justificativa foi de que a área teria vegetação de jurisdição federal e, portanto, a licença só poderia ser concedida pelo Ibama. Isso faria com que todo o processo de licenciamento tivesse que ser refeito desde o início.
Em junho do mesmo ano, o juiz Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal da Capital, negou o pedido do MPF e declarou que não há florestas federais ou unidades de conservação na área, e que o próprio ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) se manifestou sobre o caso, afirmando não haver necessidade de sua autorização ou intervenção no processo.
Com isso, o licenciamento segue normalmente através do IMA. Em nota, o MPF afirmou que “entende que há problemas sérios com o estágio atual do licenciamento, que não respeitou as comunidades tradicionais afetadas e a necessidade de elaboração de um Estudo de Impacto de Vizinhança.”
Perguntado sobre esse estudo de impacto, o dono da Construtora JL afirmou que “todos os pré-requisitos da lei e do IMA foram atendidos. O MPF está no direito dele de questionar, mas a JL é uma empresa que sempre busca fazer tudo dentro da lei.”
Relatório aponta que benefícios da Marina da Beira-Mar superam preocupações
No Relatório de Impacto Ambiental produzido pela concessionária para a obtenção da licença prévia, constam impactos positivos e negativos do projeto. Entre as fases de planejamento, implantação e operação, a de maior impacto ao meio ambiente e à população é a segunda, que corresponde ao período de obras. Entre suas consequências negativas, estão a geração de resíduos, a morte e o deslocamento de fauna e flora, e o incômodo para a população. No entanto, ela também traz pontos positivos, como geração de empregos.
O estudo calcula que, finalizadas as obras, o impacto do Parque Urbano e Marina da Beira-Mar será majoritariamente positivo. O espaço público trará qualidade de vida para a população, abrigará negócios e aumentará o potencial turístico da região, além de criar novos habitats para a fauna que foi deslocada.
Quanto à geração de resíduos, João Luís afirma que “praticamente não haverá impacto”: o lixo será recolhido pelo município, e o espaço prevê a instalação de uma unidade da Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) para impedir que ainda mais esgoto seja despejado nas águas da Beira-Mar. Além disso, haverá uma estrutura para recolher eventuais vazamentos de embarcações.
O empreendedor não respondeu se será possível contornar a poluição já existente na região, mas afirmou que, embora o empreendimento não seja capaz de despoluir a área, “uma das metas de qualidade da JL é cuidar do meio ambiente.”
Jogo de empurra
Além do vai-e-vem do licenciamento ambiental entre o IMA e a empresa, outros órgãos públicos também estão envolvidos no imbróglio que trava o processo. Em nota, a Secretaria Executiva de Desenvolvimento Econômico do município afirmou que aguarda apenas a liberação do IMA e do TCE (Tribunal de Contas do Estado) para que as obras se iniciem: “Toda a documentação pertinente já foi submetida aos dois órgãos para análise.”
Já o TCE disse que, em 12 de agosto de 2024, estabeleceu prazo de 120 dias para que a prefeitura apresentasse um plano de ação para viabilizar o andamento do projeto da Marina da Beira-Mar. “No fim de outubro de 2024, a prefeitura protocolou uma série de documentos, que já estão em análise, mas ainda não apresentou a licença ambiental obrigatória”, declarou o órgão.
Linha do tempo do projeto da Marina da Beira-Mar – Foto: ND
Projeto inclui construção de centro comercial com bares e restaurantes
Empreendimento privado aberto ao público, o Parque Urbano e Marina da Beira-Mar Norte terá diferentes espaços além das 500 vagas para embarcações. O projeto prevê áreas de lazer, quadras esportivas, espaço para pets e centros comerciais, entre outras atrações. Para o dono da concessionária responsável pelo projeto, João Luís Félix, pode ser “a marina mais top do Brasil”.
Segundo o secretário executivo de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia de Florianópolis, Juliano Richter, a área de convivência terá bares, restaurantes e lojas. Além disso, o espaço também terá parques infantis, lugares para pets, quadra poliesportiva, pista de skate e praça d’água.
Segundo o dono da construtora, o centro comercial – chamado de mall – será uma obra “diferenciada”, com arquitetura moderna e com vista para o mar de qualquer ponto. Além dos bares e restaurantes, também estão previstas lojas com itens e acessórios para barcos, uma farmácia e um supermercado gourmet para atender aos navegantes e à população local.
O centro comercial, segundo o empresário, será focado em bares e restaurantes. “Será o orgulho dos moradores, um lugar agradável para levar turistas, além de corrigir a deficiência da Ilha no transporte marítimo”, explica. O parque também terá uma área reservada para eventos. A manutenção da Marina da Beira-Mar e do espaço público é responsabilidade da concessionária.
O parque urbano será o primeiro a ser construído. Com as obras finalizadas, será preciso conseguir a última autorização, a licença de operação. Ela verifica se o empreendimento cumpriu o acordado nas fases anteriores e vai operar de maneira correta.
Fundada no Paraná e com atuação nacional, a Construtora JL existe há 47 anos. Em seu portfólio, existem empreendimentos de grande porte, incluindo as marinas de Angra dos Reis (RJ) e Boa Vista da Aparecida (PR). Em 2023, foi considerada a terceira maior empresa de construção do país em metros quadrados construídos.
Entrevista com Juliano Richter Pires, secretário executivo de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia de Florianópolis
Como está o andamento do processo no TCE (Tribunal de Contas do Estado)?
“Os quatro documentos que mandamos para o TCE avaliar são a aprovação do projeto executivo na prefeitura, a modelagem econômico-financeira, o plano de qualidade dos serviços e o plano orçamentário. Entre os indicadores desse plano de qualidade, a serem avaliados ao longo do tempo da concessão, estão: serviço de limpeza, gestão de resíduos, controle de pragas, manutenção do paisagismo, disponibilidade de internet, fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto.
Na análise, podem vir pedidos de complementação. Tem prazos. O Tribunal de Contas tem sido ágil. Não é esse nosso problema. É que toda vez que muda algo, precisa fazer toda a conta de novo. Mas o importante é que 99% da documentação está com os órgãos.”
O que a prefeitura tem a dizer sobre os questionamentos do MPF (Ministério Público Federal)?
“Em suma, eles dizem que quem deveria cuidar do processo é o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Na última reunião de conciliação, o juiz perguntou para o procurador o que poderia ser feito para resolver, por ser uma obra importante para a cidade, e a resposta foi que não há acordo se não passar o processo para o Ibama. A representante do Ibama já disse que ‘o processo não veio e não virá’.
A ação civil pública do MPF continua, no momento, aguardando uma decisão do juiz federal. Provavelmente quando sair a LAI (Licença Ambiental de Instalação) e botarem a primeira máquina lá, vão tentar embargar. Aí começa um imbróglio jurídico, como foi na ponte da lagoa.”
Quais benefícios a Marina da Beira-Mar trará para Florianópolis?
“Esse projeto é aguardado há muitos anos pela cidade, por não termos um local bacana pra receber embarcações de fora. Florianópolis virou as costas para o mar há muitos anos, e precisamos retomar isso. A Marina da Beira-Mar tem esse simbolismo, de voltarmos a olhar o mar como antigamente. Também as questões de geração de emprego, uma área de lazer mais qualificada.
Estamos fazendo dentro da legalidade para fazer uma entrega dentro do ponto de vista ambiental com todo cuidado. Quero que meus filhos cresçam aqui e não quero que daqui a 20, 30 anos todos olhem pra eles e digam ‘teu pai colocou um negócio ali que sujou a Beira-Mar’. O que eu menos quero é isso.”
fonte: ndmais.com.br